sexta-feira, 29 de junho de 2012

Nzinga ( Dona Ana de Sousa )

Os olhos da princesa Nzinga Mbandi empapam-se de lágrimas. Não suporta o que vê. É uma cena demasiado atroz para uma menina com apenas dez anos solta-se das mãos da sua irmã e corre em direção do grupo de homens e mulheres, presos com cadeias, seminus, que estão a ponto de embarcar numa caravela portuguesa. Há dor e desespero nos rostos deles. Nzinga não percebe o que está a acontecer. Mas não lhe apraz. Voltar, assustada, para junto da irmã, e chora.
– São escravos – explica-lhe esta. – Levam-nos à força, para os obrigarem a trabalhar numa terra longínqua e estranha.
Tudo começa em 1482, quando os navegadores portugueses aportam na costa de Angola e, em seguida, conquistam muitos reinos. E eles estabelecem em Luanda um entreposto para o comércio de escravos. Foi Paulo Dias de Novais, neto do navegador Bartolomeu Dias, quem fundou a cidade fortificada de São Paulo de Assunção de Luanda, em 1578. Nos inícios do século xvii, partia dali uma média de 10 000 escravos por ano. O tráfico enriquecia muita gente. Os escravos iam para o Brasil.
A princesa Nzinga nasce em 1582. Tem duas irmãs e dois irmãos. Seu pai é Ngola Quiluanji, rei dos Mbundus, no território Ndongo (Angola) e Matamba (perto do Congo). Ele não inviabiliza o comércio de escravos, mas, em contrapartida, exige aos Portugueses que não façam baptismos em massa, como praticaram no vizinho reino do Congo. Astuto, o monarca aproveita para se livrar de prisioneiros de guerra e de outros delinquentes.Todavia, dura pouco esta conivência, pois Portugal não assegura as contrapartidas.
Morto o pai, sucede-lhe o filho mais velho, Ngola Mbandi. O mesmo manda matar o irmão e o sobrinho mais velho, filho de Nzinga. Está afasta-se do irmão, que odeia, e vai com o marido e as irmãs para a região montanhosa da Matamba. Mais tarde, esta servirá de fortaleza contra os ataques dos Portugueses.
Entretanto, ela revolta-se contra o irmão e decide tomar as rédeas do poder. Em 1624, é aclamada como rainha pelo povo. A nova monarca tem dois objetivos: recuperar a independência política e territorial e expulsar os Portugueses do seu reino.
Não encontra facilidades. Os Portugueses não cedem e, um ano depois de subir ao trono, retiram-lhe a realeza e devolvem o trono ao irmão dela, que é muito mais dócil de tratar.
Nzinga não se dá por vencida. Funda o reino de Matamba. Graças à sua diplomacia e persuasão, consegue uma grande aliança entre todos os inimigos de Portugal, incluindo os Holandeses. Reúne um exército de 50 000 homens e mulheres. Os melhores soldados são escravos negros que conseguiram fugir dos donos portugueses. Ela própria conduz as tropas. Usa um machado à cintura e maneja sem dificuldade o arco e a flecha. E, para ser respeitada, veste-se de homem e exibe peles de animais como os reis.
A tática militar da monarca é a guerrilha, que vai debilitando o inimigo. Os seus soldados estão em constante movimento e atacam quando e onde menos se espera.
Este poderoso exército derrota os Portugueses em 1629 e, durante quatro anos, soma vitórias importantes. Também ataca e venci outros soberanos africanos e alarga o domínio territorial. Conta com a ajuda dos Holandeses. Mas, em 1648, dá-se a batalha final. Portugal derrota Nzinga e as tropas holandesas e reconquista Luanda.
Oito anos depois, a rainha assina um tratado de paz, e diz: «Não quero mais guerras nem novas conquistas. Quero estabelecer-me no meu reino e fundar nele cidades e aldeias, nas quais todos vivam adequadamente. Tratemos de salvar  almas.»
Nzinga vê-se obrigada a ceder em alguns aspectos. Reconverte-se ao Cristianismo. Pois batizará-se com 40 anos, mas renegara à fé mais tarde. Também consegue a libertação da sua irmã Cambu, ficou presa oito anos, mas tem de entregar, em troca, 130 escravos.
A rainha morre a 17 de Dezembro de 1663. Tem 82 anos. E o seu reino é independente de Portugal. Sucede-lhe no trono Cambu, que continua a gesta dela.


OBS:
 Dona Ana de Sousa possuía muitas variações do seu nome que, em alguns casos, eram completamente distintos. Entre eles (mas não apenas, registam-se: Rainha Nzinga, Nzinga I, Rainha Nzinga Mdongo, Nzinga Mbandi, Nzinga Mbande, Jinga, Singa, Zhinga, Ginga, Ana Nzinga, Ngola Nzinga, Nzinga de Matamba, Rainha Nzingha de Ndongo, Ann Nzingha, Nxingha, Mbande Ana Nzingha e Ann Nzingha.




Mulher de grande caráter

Nzinga Mbandi Ngola, angolana, foi uma líder militar de relevo, que enfrentou os europeus traficantes de escravos. Lutou por mais de trinta anos. O seu porte impunha respeito, pois possuía uma postura masculina, mas também espalhava elegância feminina. Ela usou os dois atributos conforme a situação o exigia. Também se serviu da religião como ferramenta para alianças e acordos políticos.
A sua vida inspirou outros africanos: Efunroye Tinubu (1807-1885), da Nigéria; Nandi (1760-1827), mãe de Shaka Zulu, grande guerreiro sul-africano; Kaipkire, líder dos Hereros, povo da Namíbia, no século xviii; e o exército feminino que seguiu Behanzin Bowelle, o rei do Daomé, no atual Benim, a partir de 1841.


Créditos:  © copyright Missionários Combonianos - Revista Audácia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Clique e alimente a rã

Powered By Blogger